Olhou-se no espelho com aquela habitual benevolência de quem sempre vê o melhor. Não aceita e não admite o fato de não ser linda. Em sua fértil imaginação, os homens, sem exceção, a desejam como parceira.Antes de sair - o que se dá todos os dias no cair da tarde - experimenta vários trajes e pinta olhos, sobrancelhas e boca, com o esmero de quem tem certeza de que vai atrair olhares e causar inveja. Frente ao espelho, mexe-se e remexe-se de forma a captar seus melhores ângulos. Ensaia sorrisos e modos de olhar para o mendigo, para o padeiro, para a senhora que vende açaí e, repetidamente, vive, na memória, as frases que dirá em resposta aos comentários elogiosos que, segundo acredita, receberá. É e foi assim sempre.Viveu sua alegria crendo ser a mais formosa das mulheres.Hoje, o verão escaldante fez com que escolhesse shorts e uma camiseta cavada; afinal, suas pernas torneadas eram tudo de bom. E, assim, foi ela vestida.Na esquina, um grupo de adolescentes conversavam e riam.Quando passou, um deles, mais atrevido, em resposta ao seu sorriso de poderosa, fez o seguinte comentário:– “Ô tia, na fila da ‘celulite’ você entrou quantas vezes?”A princípio não soube o que responder, quis atinar que não era para ela, mas a primeira coisa que fez, ao voltar para casa, foi se olhar no espelho, apreensiva.O susto e a decepção fizeram cair o véu da sua verdade que há muito lhe cobria os olhos e mostrou-lhe que o tempo havia passado sem que ela percebesse…
Fonte da imagem:alucinai.wordpress.com
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